O Vasco teve entre os anos 40 e 50, o maior goleiro de sua história em todos os tempos: Barbosa, batizado Moacir Barbosa Nascimento, nascido no domingo, 27 de março de 1921, em Campinas, de onde se mudou com os pais para São Paulo aos 10 anos. Iniciou aos 16 anos na ponta-esquerda do Comercial, mas logo se transferiu, já como goleiro, para o Ypiranga, que também revelou Arthur Friendenreich, artilheiro do Campeonato Paulista de 1914 e 1917.

EXPRESSO – Em três anos de atuações acima da média no Ypiranga, Barbosa atraiu a atenção do Vasco, que o contratou em 1945, ano do primeiro, dos cinco títulos cariocas em oito anos, do Expresso da Vitória, colocado nos trilhos pelo presidente Cyro Aranha – 1923 – 1985 -, autor da grande frase: “Enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal”. Barbosa tornou-se titular em 1946, sucedendo o paulistano Gabriel Rodrigues, que disputou 12 dos 18 jogos do primeiro título invicto em 1945.

PRIMEIRO – O Vasco, campeão carioca de 1945, ganhou 13 jogos e empatou 3, com saldo de 43 gols (58 x 15). No título invicto de 1947, já com Barbosa, também foram 13 vitórias e 3 empates, mas o saldo de gols aumentou para 48 (68 x 20). Time do primeiro título dele: Barbosa, Augusto e Rafanelli; Ely, Danilo e Jorge; Friaça (Djalma), Maneca, Dimas, Lelé e Chico. Técnico: Flavio Costa – 1906 – 1999 -, recordista de títulos cariocas (8), primeiro tricampeão do profissionalismo no Flamengo (42-43-44).

PÓ DE MICO – Barbosa me contou, em alguns dos nossos encontros no Maracanã, onde era funcionário, que na final do campeonato de 1948 com o Botafogo, ele se coçou muito. A passagem do vestiário para o campo, era por um túnel coberto por tela de arame, e o presidente Carlito Rocha mandou jogar pó de mico, que dificultava a respiração e provocava coceira. E o time ficou devagar, quase parando, no segundo tempo, ao beber água e laranjada das garrafas térmicas colocadas no vestiário. 

NEAMBUTAL – O Vasco saiu para o intervalo perdendo por 2 x 0, gols dos pontas Paraguaio e Braguinha, e voltou sonolento, sofreu o terceiro gol, do meia Otávio, e só conseguiu diminuir com o gol contra de Ávila, na época, centro-médio, desviando cruzamento do ponta Chico. Barbosa desconfiava que, na água e na laranjada, haviam dissolvido Neambutal, que era o barbitúrico mais usado pelos que tinham dificuldade para dormir. 

BOM LEMBRAR – Barbosa tornou-se amigo, depois daquele jogo, de outro monstro sagrado, Nilton Santos, que ganhava seu primeiro título carioca, invicto, como gostava de ressaltar, porque não jogou na estreia, quando o Botafogo sofreu a única derrota (4 x 0) para o São Cristóvão. 1948 foi também o ano do lançamento da pedra fundamental do Maracanã; do primeiro campeonato em que os jogadores tinham número na camisa, e do primeiro título de Zezé Moreira, até então preparador físico. 

MELHOR DE TODOS – Dos cinco títulos em oito anos do Expresso da Vitória, Barbosa dizia que o melhor foi o de 1949, em que o Vasco goleou quase todos os adversários, desde a estreia: 11 x 0 no São Cristóvão, com quatro gols de Ademir e quatro de Maneca; 6 x 0 no Canto do Rio, 8 x 1 no Bonsucesso, 8 x 2 no América, que na época era grande, 5 x 3 no Fluminense e 5 x 2 no Flamengo. Barbosa e Ademir em todos os 20 jogos, com 18 vitórias e 2 empates, e o absurdo saldo de 60 gols (84 x 24), 31 marcados por Ademir.

MARACANÃ – Barbosa era só alegria ou relembrar o título histórico de primeiro campeão do Maracanã, então o maior estádio do mundo, com ele e o artilheiro Ademir (25 gols), em 19 dos 20 jogos, fazendo os dois da final (2 x 1) com o América. O time-base: Barbosa, Augusto (cap) e Wilson; Ely, Danilo e Jorge; Alfredo, Maneca, Ademir, Ipojucan e Djair. Técnico: Flávio Costa. Foram 17 vitórias, 3 derrotas e outro saldo absurdo de 53 gols, com 74 marcados (25 de Ademir) e 21 sofridos. 

FIM DO EXPRESSO – O fim da linha do Expresso da Vitória foi em 1952, penúltimo título de Barbosa, mantido pelo técnico Gentil Cardoso – 1906 – 1970 -, que lançou o zagueiro Bellini e o artilheiro Vavá, seis anos mais tarde campeões do mundo. Barbosa lembrava que o técnico foi aplaudido de pé em São Januário, mas demitido após o título, apesar da bela campanha de 17 vitórias, 2 empates e só uma derrota, com 31 gols de saldo (49 a 18). Barbosa e Ademir ainda disputaram 18 dos 20 jogos.

BOM DIZER – Para que os mais antigos recordem e os mais novos saibam, o Expresso da Vitória, em oito anos (45 a 52), ganhou cinco títulos cariocas – três invictos -, fez do Vasco o primeiro campeão sul-americano invicto de clubes em 1948, no Chile, e dos 156 jogos disputados, venceu 116, empatou 22, perdeu 18, e teve saldo de 286 gols, com 473 marcados e 187 sofridos. Barbosa resumia: “Era a época do amor à camisa sem que nenhum jogador precisasse beijar o escudo depois de fazer o gol”.

SUPERSUPER – O Vasco voltou a ser campeão carioca em 1956, dirigido pelo mineiro Martin Francisco – 1928 – 1982 -, aluno do uruguaio Ondino Viera – 1901 – 1997 – , técnico do título invicto de 1945, mas o goleiro era Carlos Alberto, militar da Aeronáutica. Barbosa, aos 37 anos, voltou em 1958 e ganhou o inédito Supersupercampeonato, disputando 14 dos 26 jogos. Time-base: Barbosa, Paulinho e Bellini (cap); Écio, Orlando e Coronel; Sabará, Rubens, Almir, Roberto Pinto e Pinga. Técnico – Gradim. Barbosa disputou ainda os Cariocas de 1957, emprestado ao Bonsucesso, e de 1959 e 1960 pelo Campo Grande.

PENA MÁXIMA – Campeão da Copa Roca de 1945, da Copa Rio Branco de 1947 e 1950, e do Sul-Americano de 1949, hoje Copa América, Barbosa ficou marcado pela virada (2 x 1) do Uruguai, na final de 16 de julho de 1950, no Maracanã: “No Brasil, a pena máxima é de 30 anos, mas eu fui condenado por muitos a 50 anos” – dizia, amargurado, pouco antes de morrer, aos 79 anos, na sexta-feira, 7 de abril de 2000, em Praia Grande, litoral Sul paulista, onde sofreu acidente vascular cerebral. Barbosa fez 22 jogos pela seleção – 16 vitórias, 2 empates, 4 derrotas -, entre 16 de dezembro de 1945 e 12 de março de 1953.

OUTRO GOLPE – Eu estava cobrindo a seleção brasileira em Teresópolis, onde Barbosa sofreu outro golpe forte, que o entristeceu e deprimiu, ao ser impedido de entrar na Granja Comary, a dois dias do jogo com o Uruguai pelas eliminatórias para a Copa do Mundo de 94. Ele simplesmente queria conhecer Taffarel, que admirava. Três anos depois, outro golpe duro: a morte de Clotilde, com quem foi casado 54 anos. Ele não quis continuar no apartamento da Rua João Romariz, em Ramos, na região da Leopoldina, no Rio.

O INJUSTIÇADO – Entre muitos depoimentos sobre Moacir Barbosa, que neste sábado, 27 de março de 2021 completaria 100 anos, um dos mais corretos que li foi o de Armando Nogueira – 1927 – 2010 -, notável jornalista acriano de Xapuri, de cuja amizade tive a alegria de desfrutar: “Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro foi Barbosa. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mãos trocadas bolas envenenadas. O gol de Gigghia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo e revejo o lance, mais o absolvo”.

PRESTÍGIO – Em 1953, em jogo com o Botafogo pelo Torneio Rio-São Paulo, Barbosa teve a perna fraturada, em um choque duro de bola dividida, com o atacante Zezinho. A grande depressão que sofreu, antes e depois da cirurgia, veio seguida de um alívio com que não contava: o Hospital dos Acidentados viu-se obrigado a organizar filas, que dobravam o quarteirão, para atender os torcedores, não só do Vasco, queriam visitá-lo. Três anos depois de perder a Copa, Barbosa sentiu o quanto ainda era querido.

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