Parece que foi ontem, mas sábado, 1 de junho de 2019, faz 50 anos que o Flamengo assumiu o Urubu como símbolo. Repórter de campo, esperando que os times entrassem, para entrevistar os jogadores, na época em que repórter podia trabalhar sem restrição, eu estava entre os túneis dos times, quando vi o urubu ser solto da arquibancada e fazer a volta no estádio, até descer do lado esquerdo da tribuna de honra, sob delírio dos torcedores. Maracanã, domingo, 1 de junho de 1969.
O QUARTETO – 50 anos depois, conheço e converso com Romilson França de Meirelles, que teve a ideia, junto com Luis Octavio Cardoso Pires Vaz, VictorEllery e Eric Soledade, cariocas e na época com 20 anos, de soltar o urubu no estádio. Romilson é bom de papo e recorda: “A gente já não aguentava mais ouvir o coro das outras torcidas, chamando a gente de urubu, porque tinha muito negro na torcida do Flamengo, e tivemos a ideia de levar um urubu. Na época, não havia revista de torcedores na entrada do estádio. E só podia ser com o Maracanã lotado, como estava naquela tarde”. Era Flamengo x Botafogo, reta final do Campeonato Carioca de 1969, que registrou 149.191 pagantes, terceiro maior público da história do clássico.
NO LIXÃO DO CAJU – Romilson lembra que foi com Luis Octavio, que até hoje mora no Leme, ao lixão do Caju, bairro da zona portuária, para conseguir ourubu: “Conversamos com o Tião, que controlava os catadores, e explicamos o que queriamos. Ele achou a ideia genial e não demorou para nos trazer o urubu, já na véspera do jogo. Um dia antes, na sexta, tentamos em um show, na Favela da Catacumba, na Lagoa, mas não havia nenhum urubu”.
SEM GASOLINA – “Fomos ao lixão do Caju em um carro emprestado – recorda Romilson -, e quando voltávamos para o Leme, o carro parou por falta de gasolina. O urubu se agitou muito no banco traseiro, onde eu o segurava, e o Luis Octavio foi tentar a reposição. Felizmente, o posto não era longe. Ao chegarmos no edifício, no Leme, fizemos de tudo para o porteiro não perceber. O urubu ficou amarrado na área de serviço do apartamento, mas até que não perturbou muito, não”.
BANDEIRA GRANDE – “Os quatro – Eric, Victor, Luis Octavio e eu – diz Romilson, fizemos uma bandeira rubro-negra bem grande para enrolar o urubu e levá-lo ao Maracanã. Fomos de táxi, quatro horas antes porque o movimento era intenso. Com aquela barulhada toda, o urubu queria se soltar, mas amarramos bem as pernas dele. A nossa ideia era soltá-lo quando os times entrassem em campo, mas o Zagallo, técnico do Botafogo, era supersticioso e o time dele só entrava depois do adversário”.
NA HORA DO CORO – Romilson relembra que o urubu foi lançado da arquibancada ao gramado, logo que o Flamengo entrou, e quando os torcedores do Botafogo, esperando que seu time entrasse, começaram o coro: “Eles pareciam não acreditar no que estavam vendo, ainda mais que o urubu deu uma volta no estádio e passou bem perto deles, que ficavam do lado direito da tribuna de honra. Foi uma ideia nossa, ninguém sabia e o clube substituiu o Popeye – personagem clássico dos quadrinhos dos Estados Unidos – pelo Urubu, que passou a ser o símbolo oficial do Flamengo. E que o Henfil adotou no Jornal dos Sports”.
URUBU DA SORTE – Havia quatro anos que o Flamengo não ganhava do Botafogo. O clássico atrasou por causa do urubu em campo, até ser levado por Nélson, funcionário do estádio, enquanto Armando Marques, pioneiro dos árbitros gays no futebol carioca, dava xiliques com tanta gente em campo. Romilson lembra: “O urubu provocou um grande agito, mas deu muita sorte porque o Flamengo voltou a ganhar do Botafogo”.
ESTREIA DE DOVAL – O jogo marcou a estreia do atacante argentino Doval – 1944 – 1991 -, então aos 25 anos, que jogou até 1975, quando foi para o Fluminense. De 69 a 75, Doval marcou 95 gols em 263 jogos, tornando-se o estrangeiro com mais gols pelo Flamengo e o quarto maior artilheiro estrangeiro do Campeonato Brasileiro com 31 gols. Jogava na ponta e como centroavante.
FLAMENGO 2 x 1 – O Flamengo era dirigido por Elba de Pádua Lima – Tim -, um dos grandes treinadores da história. O time entrou arrasador e fez 1 x 0 logo aos 9 minutos, gol de Arilson, canhoto que driblava e cruzava bem. O estreante Doval fez 2 x 0 aos 23, e o Botafogo ficou no gol de Paulo Cesar, de pênalti, aos 8 minutos, na volta do intervalo. Armando Marques teve boa atuação, de acordo com sua categoria de árbitro número 1 do país.
FLAMENGO – Dominguez (goleiro argentino), Murilo, Guilherme, Onça e Paulo Henrique; Liminha, Rodrigues Neto e Luis Claudio; Doval, Dionísio e Arilson.BOTAFOGO – Ubirajara Mota, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gerson; Rogerio, Jairzinho, Roberto e Paulo Cesar. Bicampeão 67-68, o Botafogo ficou fora da final, duas semanas depois, em que o Fluminense foi campeão ao vencer (3 x 2) o Flamengo, diante de 171.599 pagantes, no domingo 15 de junho de 69. O primeiro título de Telê Santana, que no mês seguinte completaria 38 anos.