A ESTREIA DE PELÉ na seleção brasileira foi no domingo, 7 de julho de 1957, no Maracanã, no primeiro Brasil x Argentina da Copa Roca, hoje Superclássico das Américas, disputado em dois jogos. Pelé substituiu Del Vecchio, seu companheiro de ataque no Santos, aos 21 do segundo tempo. A Argentina vencia com o gol de Labruna, aos 30 do primeiro tempo, e ele empatou aos 32, mas Juarez fez o gol da vitória argentina aos 35. Na estreia de Pelé, o jogo foi apitado por Erwin Hieger, da Áustria, diante de 81 mil pagantes. Três dias depois, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, o Brasil venceu a Argentina por 2 x 0, gols de Pelé e Mazzola, e ficou com a taça, pela diferença de um gol.

SELEÇÃO DA ESTREIA – O sistema de jogo da época era o 4-2-4, e na estreia de Pelé, a seleção teve Castilho (Fluminense), Paulinho (Vasco), Bellini (Vasco), Jadir (Flamengo) e Oreco (Corinthians); Zito (Santos) depois Urubatão (Santos) e Luisinho (Corinthians); Maurinho (São Paulo), Mazzola (Palmeiras) depois Moacir (Flamengo), Del Vecchio (Santos) depois Pelé (Santos) e Tite (Santos). Técnico – Sylvio Pirilo – 1916 – 1991 -, gaúcho, tricampeão 53-54-55 no Flamengo, maior artilheiro do Campeonato Carioca em um só ano, com 39 gols em 1941. Campeão carioca de 48 no Botafogo, e técnico do Fluminense, primeiro carioca a ganhar (invicto) o Torneio Rio-São Paulo de 1957, e do Palmeiras, campeão paulista de 63. Bom lembrar: Guillermo Stábile, artilheiro e vice-campeão da primeira Copa do Mundo (1930), era o técnico da Argentina.

ESTREIA EM COPA DO MUNDO – Pelé estreou em Copa do Mundo, em 15 de junho de 58, na vitória (2 x 0, gols de Vavá) sobre a então União Soviética, hoje Rússia, depois de 3 x 0 na Áustria e 0 x 0 com a Inglaterra. O jogo marcou também a estreia em Copa do Mundo de Zito, substituindo Dino Sani (São Paulo), e Garrincha, no lugar de Joel (Flamengo). Bom lembrar: a primeira seleção de Pelé em Copa: Gilmar (Corinthians), De Sordi (São Paulo), Bellini (Vasco), Orlando (Vasco) e Nilton Santos (Botafogo); Zito (Santos) e Didi (Botafogo); Garrincha (Botafogo), Vavá (Vasco), Pelé (Santos) e Zagalo (Flamengo). Técnico – Vicente Feola.

PRIMEIRO GOL EM COPA – No jogo seguinte ao da estreia, Pelé marcou seu primeiro gol em Copa do Mundo, na quinta-feira, 19 de junho de 1958, no estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo, segunda maior cidade sueca e com o maior porto do país, a 470 km da capital Estocolmo. Em jogo dificílimo, diante de adversário muito fechado, o Brasil venceu (1 x 0) com o gol de Pelé aos 21 do segundo tempo, ao receber o passe de cabeça de Didi, e aplicar belo lençol no zagueiro Melvin Charles. Antes que a bola tocasse no gramado, Pelé concluiu com o pé direito, no canto direito do goleiro Jack Kelsey. A seguir, Pelé faria três gols nos 5 x 2 da semifinal com a França, e dois gols nos 5 x 2 da final do domingo, 29 de junho, com a Suécia, no estádio de Rasunda, em Estocolmo, tornando-se aos 17 anos e 249 dias o campeão mundial mais jovem da história do futebol.

CONSAGRAÇÃO – Na tarde nublada do domingo, 21 de junho de 1970, diante de 120 mil pagantes, no estádio Azteca, da Cidade do México, Pelé teve a consagração definitiva em Copas do Mundo, ganhando a terceira das quatro de que participou. Foi dele, aos 18 minutos do primeiro tempo, após cruzamento de Rivelino, o primeiro dos 4 x 1 na Itália, seu décimo segundo e último gol em Copa do Mundo, marcado de cabeça, no canto esquerdo, após uma impulsão impressionante.

PELÉ E GARRINCHA – Caso único na história do futebol mundial, o de dois jogadores que nunca perderam, jogando juntos, por uma seleção. O primeiro dos 40 jogos de invencibilidade de Pelé e Garrincha, juntos, foi na tarde do domingo, 18 de maio de 58. O Brasil ganhou (3 x 1) da Bulgária, com dois gols de Pelé e um gol de Pepe, em amistoso no estádio do Pacaembu, em São Paulo. O último dos 40 jogos – 36 vitórias, 4 empates – foi na estreia da Copa de 66, no Goodison Park, em Liverpool, por coincidência, contra a Bulgária: Brasil 2 x 0. Pelé sofreu falta de Yakimov e fez 1 x 0 aos 14 do primeiro tempo. Garrincha sofreu falta de Kolev, aos 18 do segundo tempo, e fez 2 x 0. A seleção do último jogo da dupla: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Altair e Paulo Henrique; Denilson e Lima; Garrincha, Alcindo, Pelé e Jairzinho. Técnico – Vicente Feola.

PELÉ PAROU DUAS GUERRAS – A guerra civil entre as forças do Exército e os rebeldes da Nigéria, que queriam criar a República de Biafra, começou em 1967 e se acentuou em 1969, quando o conflito dobrou a fome e a miséria. Para chegar a Brazzaville, era preciso atravessar a capital Kinshasa, e os exércitos das duas partes do confronto, escoltaram a delegação do Santos ao hotel e ao estádio, no domingo, 19 de janeiro de 69, onde Pelé comandou os 3 x 2 sobre os Leopardos, apelido da seleção do Congo. Mas, depois de atingidos por muitos pontapés, Pelé e os companheiros sentaram-se em campo.

AMEAÇA DE PRISÃO – Ao parar o jogo, que o Santos já vencia (2 x 0), aos 25 do primeiro tempo, o árbitro recebeu um bilhete de ninguém menos que Marien Ngouabi, presidente da República, que estava na tribuna: “O Pelé e o Santos vieram dar um espetáculo e eu estou aqui para assistir. Se você não coibir a violência, vai sair preso do estádio”. O árbitro chamou o capitão da seleção, que leu a mensagem, chamou os companheiros e o jogo recomeçou, terminando sem mais nenhuma falta violenta.

TODOS QUERIAM VER – Uma semana depois, o Santos teve que atender a um convite extra e fazer a travessia entre o Congo e a Nigéria para um amistoso no domingo, 26 de janeiro, em que empatou (2 x 2) com a seleção da Nigéria, só que em Benin, país da controversa religião vudu, que mistura algumas religiões. O jogo transcorreu em clima amistoso e o Santos venceu (2 x 1), mas no final foi preciso muita energia da segurança para evitar invasão do gramado. Bom lembrar: o time-base do Santos era Claudio, Lima, Ramos Delgado, Joel Camargo e Rildo; Clodoaldo e Carlos Alberto Torres; Edu, Toninho Guerrero, Pelé e Abel, ponta que havia brilhado no América, então com estádio na Rua Campos Salles, na Tijuca.

O ANO HISTÓRICO DO GOL 1000 – Coisas inimagináveis nos anos 60 aconteceram para aquela época, tipo um jogador completar 1000 gols e o homem chegar à lua, como fez o americano Neil Armstrong, aos 39 anos, engenheiro aeronáutico, piloto e astronauta, que pisou na lua no domingo, 20 de julho de 69, depois da viagem ao satélite da Terra, a bordo da nave espacial Apollo XI. Foi também o último ano dos Beattles, a mais influente banda de todos os tempos – Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr, os garotos de ouro de Liverpool -, que dominou o mundo alucinante da música jovem. The Beattles gravaram seu último álbum, Abbey Road, famoso pelas canções e pela foto dos quatro atravessando a rua na faixa de pedestres. Quando a seleção estava em Liverpool, na Copa de 66, Lennon tentou uma exibição especial para Pelé, mas a chefia da então CBD não autorizou.

PELÉ ESTAVA COMPLETANDO 6.692 dias como jogador do Santos, na noite da quarta-feira, 19 de novembro de 1969, quando marcou no Maracanã o histórico gol 1000 de sua carreira, às 23 horas e 23 minutos, no gol à esquerda da tribuna de honra. O jogo apitado pelo pernambucano Manuel Amaro de Lima, cercado pelos jogadores do Vasco, ao marcar o pênalti de Fernando em Pelé, era válido pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Campeonato Brasileiro da época. Estava 1 x 1, gols de Benetti, do Vasco, e Renê (contra), zagueiro que o técnico Célio de Souza escalou no meio-campo. O Santos pressionava pela virada.

MAIS DE 65 MIL TORCEDORES gritaram em coro o nome de Pelé, assim que ele sofreu o pênalti, em falta do zagueiro Fernando. Os jogadores do Santos ficaram no grande círculo. Antes da cobrança, Pelé fez o sinal da cruz, e depois do jogo, confessou o receio de falhar, diante da expectativa de milhões pelo seu gol 1000, registro de destaque no mundo. Tenso, o goleiro argentino Andrada colocou as mãos sobre o joelho, e quando Pelé caminhou para a bola, ele saltou na direção certa, chegou a tocá-la, mas sem poder evitar. Passou a ser chamado de arqueiro do Rei. Arqueiro era, na época, tão usado quanto goleiro.

CARREGADO PELOS COMPANHEIROS, Pelé usou os microfones para pedir que os governantes olhassem pelas criancinhas e alguns políticos o chamaram de demagogo. Vascaíno desde garoto, quando o pai Dondinho jogava no Vasco, de São Lourenço, vizinha de Três Corações, onde nasceu, Pelé foi ao vestiário, vestiu a camisa do Vasco e deu a volta olímpica no gramado. Foi substituído por Jair Bala e o jogo recomeçou aos 34 do segundo tempo, depois de quase meia hora de paralisação. Os times da noite do gol 1000: VASCO – Andrada, Fidélis, Moacir, Fernando e Eberval; Buglê e Renê; Acelino (Raimundinho), Adilson, Benetti e Danilo Menezes (Silvinho). SANTOS – Aguinaldo, Carlos Alberto, Ramos Delgado, Djalma Dias (Joel Camargo) e Rildo; Clodoaldo e Lima; Manoel Maria, Edu, Pelé (Jair Bala) e Abel.

BOM LEMBRAR – Em 1999, trinta anos após o gol 1000, a alemã Reuters – maior agência internacional de notícias e multimidia do mundo – ouviu 35 editores e 55 jornalistas de todos os continentes, que consideraram Pelé, por unanimidade, a Personalidade Esportiva do Século XX.

O DOMINGO DO GOL DE PLACA – O gol de Pelé, na tarde do domingo, 5 de março de 1961, após o Santos vencer (3 x 1) o Fluminense, pelo Torneio Rio-São Paulo, ganhou registro no Dicionário Aurélio, a mais importante publicação da língua portuguesa: “Conceito criado a partir de um gol espetacular de Pelé (Edson Arantes do Nascimento), que lhe rendeu uma placa honorária”. Pelé havia feito 1 x 0 aos 4, e aos 41 do primeiro tempo, em arrancada de sua própria área, em linha reta, driblou Clóvis, Telê, Edmilson, Jair Marinho, Pinheiro, que perdeu o equilíbrio e caiu, e quando Castilho saiu do gol, ele deu um toque sutil para fazer 2 x 0. No segundo tempo, Pepe fez 3 x 0 aos 7, e quase no final, Valdo marcou o gol do Fluminense, aos 42.

O JORNALISTA Joelmir Beting, que estava no Maracanã, comentou: “Esse gol merece uma placa”, e assim nasceu a expressão. Pouco tempo depois, ele mandou a placa ao estádio, que fez a festa da inauguração no hall dos elevadores, Pelé presente para descerrar. Em 2011, quando o gol de placa completou 50 anos, Pelé mandou uma placa de acrílico ao jornalista: “Ao Joelmir Beting, gratidão eterna do autor do gol de placa ao autor da placa do gol”, e assinou como em seus autógrafos: Edson, Pelé. Os times do jogo do gol de placa: FLUMINENSE – Castilho, Jair Marinho e Pinheiro; Edmilson, Clóvis (Paulo) e Altair; Telê (Augusto), Paulinho, Valdo, Jaburu e Escurinho. Técnico – Zezé Moreira. SANTOS – Laercio, Fioti, Mauro e Dalmo; Zito e Calvet; Dorval, Mengálvio (Ney), Coutinho, Pelé e Pepe (Sormani). Técnico – Luis Alonso (Lula). No domingo seguinte, o Santos voltou ao Maracanã e goleou (7 x 1) o Flamengo.

PELÉ, O CAVALEIRO DO IMPÉRIO BRITÂNICO – Outro domingo especial na carreira do maior jogador da história do futebol mundial em todos os tempos foi o 4 de dezembro de 1977. Ministro extraordinário de Esporte do governo Fernando Henrique Cardoso, Pelé recebeu em Londres a Ordem de Cavaleiro do Império Britânico, comenda tão importante quanto ao título de Sir, só concedido a quem nasceu no Reino Unido. Acompanhado do presidente da República, Pelé foi saudado pela Rainha Elizabeth como “figura extraordinária e incomparável”.

PELÉ esteve a seguir, após mais uma homenagem que o deixou emocionado, em visita ao Chelsea FC, onde mais de 120 jornalistas fizeram a cobertura do apoio dado por ele ao programa Futebol na Comunidade, com o aumento do grau de escolaridade de crianças desfavorecidas. Edward, duque de Kent e primo da rainha, abraçou Pelé e o presidente Fernando Henrique Cardoso.

O JOGO DE DESPEDIDA COM MUITO AMOR – Foi no sábado, 1 de outubro de 1977, que Pelé fez o jogo de despedida, diante de 75.646 pagantes, no Giants Stadium, em Nova York, onde entrou erguendo os braços e sendo atendido pelo público, ao pedir a repetição da palavra amor: em coro, o público gritava: Love, love, love!!! Pelé jogou o primeiro tempo, todo de branco, pelo Santos, e voltou do intervalo com meias e camisas verdes e calção branco do Cosmos. Reinaldo fez 1 x 0 Santos, aos 14, e Pelé, de falta, empatou aos 42 para o Cosmos, que venceu (2 x 1) com o gol do volante peruano Ramon Míflin, aos 5 do segundo tempo.

CARLOS ALBERTO TORRES, o mais jovem dos capitães campeões do mundo e único a fazer gol em uma final de Copa, nos 4 x 1 sobre a Itália em 1970, foi uma das figuras de realce na despedida de Pelé ao público dos Estados Unidos. O capita, como era tratado, também teve uma linda festa de despedida do Cosmos, que também vi de perto. Além dele, Franz Beckenbauer – capitão dos campeões mundiais de 74 – e o russo Lev Yashin, primeiro goleiro em Copa do Mundo a jogar contra Pelé e Garrincha, na estreia de ambos em 1958, participaram da noite especial da despedida de Pelé do Cosmos.

PELÉ E O MAIOR DE TODOS OS PRÊMIOS – Eleito em 17 de julho de 1980, em pesquisa do jornal francês L’Equipe, que ouviu mais de 200 jornalistas dos cinco continentes, Pelé recebeu na sexta-feira, 15 de maio de 1981, no Parque dos Principes, em Paris, o troféu ATLETA DO SÉCULO XX, antes do amistoso França x Brasil. Diante de 50 mil espectadores, que o aplaudiram e gritaram seu nome, levando-o à emoção e às lágrimas, o troféu foi entregue pelo jornalista Jacques Goddet, diretor do L’Equipe, ao lado do diplomata Luis Gonzaga do Nascimento e Silva, embaixador do Brasil na França.

EM ELEGANTE terno bege e esbanjando simpatia, Pelé ergueu os braços várias vezes para saudar o público, e com os dedos indicador e médio, não se cansou de fazer o V da vitória. Antes de a bola rolar, Pelé foi aplaudido, ainda com mais entusiasmo, ao dar a volta olímpica no Parque dos Principes, com o troféu. Pouco antes do início do jogo, Pelé ainda teve tempo para ir ao vestiário da seleção desejar boa sorte. Zico prometeu lhe dedicar o gol 500 da carreira, e cumpriu, aos 21 minutos, ao fazer 1 x 0. Reinaldo fez o segundo e Sócrates o terceiro, enquanto Six anotou o gol francês (3 x 1). A seleção do técnico Telê Santana teve Paulo Sergio (Botafogo), Edevaldo (Fluminense), Oscar (São Paulo) depois Edinho (Fluminense), Luizinho (Atlético Mineiro) e Junior (Flamengo); Cerezo (Atlético Mineiro), Sócrates (Corinthians) depois Vitor (Flamengo) e Zico (Flamengo); Paulo Isidoro (Grêmio), Reinaldo (Atlético Mineiro) depois Cesar (Vasco) e Eder (Atlético Mineiro) depois Zé Sergio (São Paulo).

RECORRO À EXPRESSÃO inglesa The last but not the least – Por último, mas não menos importante -, para dizer que, por mais que se pretenda, é impossível contar a história de Pelé sem que nada fique faltando. Considero-me, enquanto jornalista, ter sido privilegiado em estar em alguns dos eventos mais importantes da carreira dele, tipo a Copa de 70, última que disputou e primeira das oito consecutivas que cobri; a despedida do Cosmos em Nova York; a noite do gol 1000; a festa de premiação do Atleta do Século, e a participação especial, em depoimento no filme Pelé Eterno, a convite do produtor Aníbal Massaíni Neto. Ainda ficará faltando alguma coisa, mas é bom lembrar: Pelé fez 92 hat-tricks (três gols em um só jogo) e 31 pokers (quatro gols em um só jogo). Benza Deus!

Fotos: Blog Douglas Inácio, Blog do Deni Menezes, Terceiro Tempo, UOL, Médium, A dois, Pelé The Best, Veja.

Texto: Deni Menezes, seleção de fotos: Marcelo Santos