Alegra-me muito escrever esta matéria especial, no dia em que Zizinho completaria 100 anos, hoje, 14 de setembro de 2021. Zizinho foi sucessor de Leônidas da Silva, o Diamante Negro, primeiro brasileiro artilheiro de uma Copa do Mundo (1938), com quem jogou no início dos anos 40. Zizinho foi antecessor de Pelé, o maior de todos os tempos, que o teve como ídolo, contra quem jogou no final dos anos 50. Antes de cobrar pênaltis, Pelé inspirou-se na paradinha de Zizinho.
COMPARADO AO GÊNIO – Melhor jogador da quarta Copa do Mundo, a primeira realizada no Brasil, em 1950, Zizinho teve atuação tão destacada nos 6 x 1 sobre a Espanha, no Maracanã, que os jornalistas europeus o compararam ao italiano Leonardo Da Vinci – 1452 – 1519 -, o maior gênio da história -, cientista, matemático, arquiteto, pintor, escultor, poeta, músico. Em delírio, 155 mil torcedores cantavam Touradas em Madrid, grande sucesso do Carnaval da época.
OPINIÃO DE DIDI – O mais notável dos nascidos em Campos, meia bicampeão mundial 58-62, Didi me disse: “Quando vim para o Rio, Zizinho era o jogador mais famoso do Brasil, consagrado como maestro do primeiro tricampeonato do Flamengo (42-43-44). Com o tempo, porque jogávamos na mesma posição, criaram uma rivalidade, que nunca existiu entre nós. Ele foi gênio e só havia uma diferença: ele gostava de correr com a bola, e eu preferia os lançamentos”.
OPINIÃO DE GÉRSON – Um dos destaques da seleção campeã do mundo de 70, Gerson foi um dos meias clássicos mais brilhantes: “O estilo do Zizinho era diferente do meu e do Didi. Zizinho partia pra cima do adversário para o drible e abria caminho na raça, mas também com categoria”. O pai de Gérson, Clóvis Nunes, muito amigo de Zizinho, também era meia e brilhou no time campeão carioca de 1935 do América, com lançamentos notáveis para o artilheiro Carola.
OPINIÃO DE PELÉ – “Quando iniciei no Santos, o Zizinho estava quase encerrando no São Paulo, e ainda com muito estilo, tanto que foi campeão e melhor jogador do Campeonato Paulista (1957). Foi um jogador completo, na meia, no ataque, driblando, passando, cabeceando, e não tinha medo de cara feia. Era muito técnico, mas também sabia jogar duro”. Bom lembrar: Pelé foi artilheiro do Campeonato Paulista de 1957, com 36 gols, e durante mais 10 anos consecutivos.
O PRIMEIRO TRI – Aos 23 anos, Zizinho foi um dos destaques do primeiro tricampeonato do Flamengo (1942-43-44), em uma equipe com Domingos da Guia, maior zagueiro do mundo em todos os tempos; da famosa linha média Biguá-Bria-Jayme; do ponta argentino Agustin Valido e do ponta paraense Vevé, e do artilheiro gaúcho Sylvio Pirilo. Dirigido por Flavio Costa, até hoje técnico recordista de títulos cariocas (8), o Flamengo fez 188 gols em 63 jogos (2.98 gols por jogo).
CLUBE DO CORAÇÃO – Zizinho tinha o sonho de jogar no América, clube do coração, mas não passou no teste. Um amigo tentou levá-lo para o São Cristóvão, mas ele não quis. Foi aprovado no primeiro treino no Flamengo, aos 18 anos, em 1939 e saiu em 1950, depois de 318 jogos e 146 gols. A Noite, principal jornal da época, registrou em editorial: “Não só no amor o coração atrapalha. Zizinho preferiu o dinheiro, deixando de lado a afeição”.
40 MIL DÓLARES – Zizinho, já técnico da seleção pré-Olímpica, contou-me a história em 1975, na Cidade do México, onde fiz a cobertura do Brasil, campeão dos Jogos Pan-Americanos: “Eu ganhava 7 mil cruzeiros no Flamengo e o Bangu me ofereceu o dobro, além de boas luvas. Não podia recusar”. Zizinho me disse também que o Bangu pagou ao Flamengo 800 mil cruzeiros: “O Flamengo ainda ganhou 40 mil dólares nas minhas costas. Na época, 1 dólar valia 20 cruzeiros”.
SILVEIRINHA – A Fábrica de Tecidos Bangu foi das mais importantes do país, entre 1889 e 2004, e seu fundador, Guilherme da Silveira, hoje nome da estação de trem da Supervia, passou ao herdeiro Guilherme da Silveira Filho a paixão pelo futebol. Silveirinha sentiu orgulho em contratar o maior jogador do mundo, e um dos presentes que ofereceu a Zizinho foi um Citroen, modelo francês de automóvel mais famoso da época.
ARTILHEIRO – Zizinho foi vice-campeão carioca pelo Bangu em 1951, perdendo os dois jogos finais da decisão com o Fluminense, o segundo por 2 x 0, gols de Telê, que se tornaria em um de seus melhores amigos no futebol, junto com o goleiro Castilho e o zagueiro Pinheiro. No ano seguinte, Zizinho dividiu a artilharia do Campeonato Carioca com Menezes, seu companheiro de ataque, com 19 gols. O ataque era Moacir Bueno, Zizinho, Menezes, Vermelho e Nívio.
A EXPULSÃO – Zizinho foi o único jogador expulso na volta do intervalo de um jogo no Maracanã, em 1956. O Bangu fez 1 x 0 e o Vasco empatou, com gol de pênalti. Ao sair de campo, entrevistado pelo repórter Luis Fernando, que me contou a história, Zizinho disse: “Não foi pênalti. É mais uma desse larápio”, como alguns jogadores da época se referiam ao árbitro Eunápio de Queiroz. O repórter contou ao árbitro o que Zizinho havia dito ao microfone da Continental.
AO RETORNAR para o segundo tempo, o árbitro chamou Zizinho, que não pipocava, e perguntou: “O senhor me chamou de larápio, na entrevista na Rádio Continental?” Olhando olho no olho, Zizinho respondeu: “Chamei, qual é o problema?” Ao que o árbitro reagiu, apontando na direção do túnel de acesso ao vestiário: “O senhor pode sair, está expulso”. Vavá, que havia convertido o pênalti, fez também o da virada no segundo tempo: Vasco 2 x 1 Bangu.
INVASÃO – Que o Brasil jogava pelo empate e levou a virada do Uruguai (2 x 1), na final de 16 de julho de 1950, diante de mais de 200 mil torcedores, no Maracanã, ainda inacabado, todos sabem. Zizinho e, principalmente, o goleiro Moacyr Barbosa, já não aguentavam mais ouvir “Por que o Brasil perdeu a Copa?”. Eu também fiz a pergunta e Zizinho me disse: “Perdemos a concentração, antes de perdermos o jogo. São Januário foi invadido e nem pudemos almoçar tranquilos”.
UM HORROR – Zizinho me disse: “Os políticos invadiram nossa concentração para tirar foto, fazer discurso e bajular os torcedores que estavam na entrada do estádio. Um horror”. Zizinho disse que deu tudo errado: “Nossa concentração era no Joá, mas trocaram para São Januário por ser mais perto do Maracanã. Na subida da Quinta da Boa Vista, o ônibus enguiçou e tivemos que descer para empurrar. Contando, até parece brincadeira, ou piada”…
CAMPEÃO PAULISTA – Treze anos depois do tri no Flamengo, Zizinho ganhou aos 36 anos o último título, o de campeão paulista de 1957 no São Paulo, 3 x 1 no Corinthians, com 40 mil torcedores no Pacaembu. Zizinho me disse: “A massa corintiana ficou louca com o show de bola do São Paulo, jogou garrafa e invadiu o campo. A polícia teve que pegar pesado para conter o desespero”. O time: Poy, De Sordi e Mauro; Victor, Sarará e Amaury; Maurinho, Gino, Zizinho e Canhoteiro. Técnico, o húngaro Bela Guttmann.
BOM LEMBRAR – Zizinho disputou 67 jogos e marcou 29 gols pelo São Paulo, que depois de 1957 só voltaria a ser campeão paulista em 1970, tendo em sua posição, outro notável, Gerson. Batizado Tomaz Soares da Silva, Zizinho nasceu no bairro de Neves, em São Gonçalo, na quarta-feira, 14 de setembro de 1921. Pela seleção, entre 1942 e 1957, Zizinho fez 54 jogos e marcou 28 gols. Seu último clube foi o Audax Italiano, do Chile, de 58 a 62. Morreu em 8 de fevereiro de 2002, aos 80 anos.
Fotos: São Paulo Futebol Clube / acervo Deni Menezes / Imortaisdofutebol.com / Ig Esportes